Um breve olhar sobre o relacionamento amoroso

Resumo do texto: Vida a dois: Um breve olhar sobre o relacionamento

Fonte: Mariuza Pregnolato

A necessidade de buscar um parceiro, para com ele compartilhar os mais diversos momentos da vida, é uma característica do ser humano e apesar do homem estar sempre em interação ele é um eterno aprendiz em matéria de relacionamento, porque cada relação é única. No que diz respeito às relações amorosas, a questão pode tornar-se ainda mais difícil porque, à medida que evoluem, vão se transformando e exigindo um trabalho constante de superação de obstáculos por parte dos parceiros. Evidência atual desse fato é a grande quantidade de indivíduos adultos que procuram os consultórios psicológicos para tentar diminuir seu sofrimento em virtude de conflitos, frustrações ou rompimentos indesejados na área amorosa.

O desejo de estar com o outro em geral não se satisfaz com a simples presença física de um parceiro. Trata-se de uma necessidade pessoal que seja satisfeita na relação com aquela pessoa, que num dado momento, torna-se o receptáculo das projeções existentes e é idealizada como sendo o nosso complemento ideal, a própria alma gêmea. Na prática, traduz-se por apaixonar-se. Psicologicamente, trata-se de uma sucessão de mecanismos projetivos.

Ao falar sobre as características do relacionamento psicológico dentro do casamento, JUNG observa que é necessário o individuo tenha consciência de si mesmo, ou seja, o indivíduo tem que distinguir-se dos outros. Essa distinção é condição indispensável para o surgimento de um relacionamento. Mas ter consciência do “eu” não significa, na prática, total consciência de si. Pois temos um conhecimento incompleto tanto de nós mesmos quanto dos outros, de modo que nossa compreensão dos motivos que nos movem e mais ainda dos motivos que movem as demais pessoas é insuficiente. Por esta razão, muitas vezes somos levados a agir impulsionados apenas por nosso inconsciente, embora tendo a impressão de que sabemos o que estamos fazendo.

Por isto, quando nos apaixonamos, tendemos a acreditar inicialmente que encontramos a pessoa ideal, possuidora de todos os atributos capazes de despertar em nós admiração, amor e desejo, satisfazendo totalmente as nossas aspirações amorosas. O que não sabemos é que nessa fase, alguns atributos que julgamos serem da outra pessoa são na verdade, conteúdos inconscientes da nossa própria psique que projetamos na pessoa amada. Em outras palavras, não vemos a outra pessoa como ela é, mas como a pessoa que desejamos que ela seja.

Nesse momento, as diferenças individuais não têm nenhuma relevância e, muitas vezes, passam totalmente despercebidas pela consciência. Trata-se do encontro com aquele ser com quem sempre se sonhou e da realização de um desejo e, portanto, os amantes não vão mesmo interessar-se em entender o que se passa, mas simplesmente vivenciar a magia que os une e lhes dá a maravilhosa sensação de completude, infelizmente temporária.

À medida que o tempo vai passando e a paixão esfriando, o outro verdadeiro começa a emergir. Psicologicamente falando, o indivíduo vai tomando consciência das projeções que realizou. Essa fase é fundamental para a relação e irá determinar a continuidade ou não do relacionamento. Desta forma, cada parceiro começa a ver o outro mais realisticamente, identificando nele elementos que passaram despercebidos até então. A idealização começa a ceder lugar para o outro tal como ele é e na medida em que vão sendo retiradas as projeções traz conflitos que terão conseqüências sobre o relacionamento como um todo. Trata-se de um processo saudável e necessário que, se bem vivenciado, tornará possível a continuidade da relação de um modo mais profundo e maduro.

Cada pessoa reagirá a essa experiência com o seu padrão relacional, isto é, seu modo próprio de ser construído a partir de sua história de vida e que gerou um sistema interno de crenças e valores sobre relacionamento afetivo. O processo de transformação do relacionamento também será fortemente influenciado pelo grau de maturidade psicológica de cada um e pelo grau de consciência e autoconhecimento adquirido sobre sua própria dinâmica psíquica. A participação do inconsciente está presente o tempo todo ao longo de nossa vida, exercendo interferência em cada processo psíquico, em maior ou menor grau. Assim, à medida que o indivíduo vai integrando à sua consciência conteúdos anteriormente inconsciente, deixa de estar à mercê deles, podendo exercer escolhas.

Trata-se, da possibilidade de aceitar aquilo que é finalmente visto no outro, por tratar-se de conteúdo reais daquela pessoa, por serem partes integrantes de seu ser. É o momento de tomar consciência de que essa pessoa que temos ao nosso lado, até agora querida, não é tão transparente quanto imaginávamos, pois possuímos meandros e particularidades que desconhecemos e características que ela mesma ignora. É neste momento, que podemos abrir a possibilidade a conhecê-la melhor, nesse processo, conhecendo mais sobre nós mesmos, revelando-nos, também para ela, muito mais integralmente do que até então.

Admitir que o obstáculo para a nossa felicidade reside dentro de nós mesmos é uma das concessões mais difíceis de se fazer porque nos tira do confortável lugar de vítima. Uma vítima não precisa olhar para as próprias motivações porque vê o responsável pelas suas feridas como um vilão que vive fora de si. Mas é possível interromper esse círculo vicioso de paixão-decepção-separação-nova paixão, se houver um investimento no sentido de se autoconhecer para compreender qual a dinâmica presente em nossos relacionamentos. A finalidade dessa varredura interna é possibilitar uma introspecção que valide a emoção que se tem, seja ela de que ordem for, conhecendo-a mais de perto, apropriando-se dela e recebendo-a como algo importante, para ser olhada com todo o respeito possível. Uma vez dispostos a enxergar, admitir e elaborar essa experiência internamente estamos nos fortalecendo e despotencializando seus efeitos sobre nós. Aprendendo a amar a nós mesmos, na medida em que estamos validando vivências de nossa própria história, possibilitamos a reconstrução de um jeito de ser mais pleno, aceitando-nos tal como somos.

Às vezes não é possível para o casal, lidar com seus conflitos sem a ajuda de um psicoterapeuta. A terapia é altamente indicada quando o nível de tensão atinge proporções em que o diálogo fica comprometido ou inviável. Esse é o momento para se buscar a recuperação das partes não reconhecidas do eu, bem como efetuar o resgate dos sentimentos e a percepção de funções que estão indiscriminadas ou alienadas na própria pessoa. O relacionamento afetivo, quando começa a dar sinais de saturação, em geral está pedindo por transformação, aprofundamento nas questões de conflito. Isso ocorre porque a vivência a dois envolve entrega, autoconhecimento, compartilhamento, troca afetiva, um olhar generoso para consigo mesmo para, então, estar livre para enxergar o outro como ele é. Relacionar-se implica em aprender a lidar com o diferente permitindo que ele siga sendo diferente.

Este não é um trabalho simples, nem fácil, é um processo que deve durar a vida toda porque a cada nova experiência de relação, novos conteúdos internos e complexos já instalados são ativados, requerendo um trabalho contínuo de autoconhecimento e desenvolvimento emocional. E o ganho abrange o ser em todas as suas manifestações. O relacionamento conjugal entre duas pessoas que se amam merece o trabalho individual de autoconhecimento, merece que cada um busque em si, em primeiro lugar, a origem da sua dor, respeitando o outro como alguém que também tem muito a trabalhar em si mesmo.

Uma pessoa bem resolvida internamente, não é aquela que não tem problemas, mas é aquela que ao sair de uma relação amorosa, poderá estar machucada e sofrerá em si a dor da perda, mas se reestruturará a partir daí, tornando-se mais forte nova experiência. A pessoa que ama a si mesma é mais livre para amar o outro. Não precisa tanto dele, tem a si mesma, na falta dele. O mais difícil para a conquista dessa autonomia, segundo DI YORIO, é desfazer-se do sentimento de dependência infantil, para onde o indivíduo volta-se sempre que se sente só e desamparado na vida. A relação amorosa é um processo que possibilita um aprendizado contínuo, sobre o outro e sobre nós mesmos, em meio aos obstáculos que vão surgindo.